Normalmente desconsideramos o valor dos conceitos claros e a utilização correta das palavras. Por causa disso, nossas palavras perdem o sentido original, e são modificadas e entendidas de modo bem diferente da sua aplicação e sentido original.
Qual o problema disto? Perdemos cada vez mais a capacidade de entender o outro e as coisas.
Servindo-me de um exemplo do Tio Almir, os elementos são tão próximos uns dos outros, que se não conseguirmos delimitá-los eles se confundirão. Enquanto teclo este post, percebo que meu notebook repousa sobre a mesa. Imagine a confusão que seria não perceber a fronteira entre ambos, sua finalidade, suas aplicações. A despeito de estarem absolutamente próximos, o conceito sobre ambos impede que eles se confundam.
Talvez a cerca de objetos concretos seja simples perceber seus limites. Mas, o exemplo acima serve apenas para ilustrar uma realidade abstrata e subjetiva, que tem por característica ser muito mais tênue e fugidia.
Philip Yancey, escritor cristão, capta perfeitamente esta necessidade sobre as palavras e conceitos, e tenta resgatar o sentido da palavra Graça em seu excelente livro “Maravilhosa Graça”. O excesso de uso indevido tirou o poder e significado de várias palavras, e Graça é a última palavra que consegue reter, mesmo quando mal aplicada, o cheiro do sentido original, e do anúncio alarmante e inesperado da Graça de Deus operando a salvação.
Pecado é outra palavra que perdeu seu sentido original. Virou nome de novela, de sex shop, de uma infinidade de produtos. Ser moreno é ter a “cor do pecado”(hãn?), segundo uma expressão popular. Faz parte do nosso cancioneiro, figurando como algo ligado ao prazer e satisfação de desejos. Por isso é tão difícil nós nos arrependermos, pois de que iríamos de nos arrepender? De algo em si prazeroso?
A lista de palavras e conceitos errados é enorme. Desde quando louvor virou sinônimo de música? Quando foi que avivamento virou sinônimo de “meninice”? E quando “meninice” foi suprimido do vocabulário pentecostal?
Curiosamente, é em plena era da comunicação que a importância da palavra foi reduzida, talvez pela banalização da cultura, fruto de novos erros conceituais, na medida em que substituímos cultura por informação, e o conhecimento por verbetes do Wikipédia.
Essa importância pode ser demonstrada em um pequeno trecho do “A menina que roubava livros”, de Markus Zusak:
“Era uma vez um homenzinho estranho, que decidiu três detalhes importantes sobre a sua vida:
- Ele repartiria o cabelo do lado contrário ao de todas as outras pessoas.
- Criaria para si mesmo um bigode pequeno e esquisito.
- Um dia, iria dominar o mundo
O homenzinho perambulou por muito tempo, pensando, fazendo planos e procurando descobrir exatamente como tornaria o mundo seu. E então, um dia, saído do nada, ocorreu-lhe o plano perfeito. Ele viu uma mãe passeando com o filho. A horas tantas, ela repreendeu o garotinho, até que ele acabou começando a chorar. Em poucos minutos, ela lhe falou muito baixinho, e depois disso ele se acalmou e até sorriu.
O homenzinho correu até a mulher e a abraçou. ‘Palavras!’ e sorriu. ‘O quê?’ Mas não houve resposta. Ele já se fora.
Sim, o Führer decidiu que dominaria o mundo com palavras.”(…)
Infelizmente, foi torcendo as palavras e bombardeando-as de modo incessante que o evangelho tem sido aviltado. E nos ecos da repetição incessante, seguindo a máxima de Goebbels*, impedindo que possamos enxergar os conceitos como ele verdadeiramente são.
Por conta disso, muitos acreditam na idiotizante e forjada “Lei da Semeadura”, com a reinventada tipologia bíblica, onde agora semente não é mais tipo da Palavra de Deus, nem do Reino de Deus, e sim do dinheiro.
Queridos, só o que posso pedir é que vocês busquem o significado real das palavras. Entendam cada conceito, aquilo que realmente ela é e diz. Cada palavra será uma descoberta de um mundo de significados, e em cada significado um mundo de ideias e possibilidades. E em meio a este novo universo descortinado pelas palavras, poderemos, com fé e amor, enxergar um pouquinho Dele, porque a lama dos conceitos errados saiu dos nossos olhos, e porque Ele quis se revelar pela Sua Palavra .
* Joseph Goebbles foi ministro de Comunicação de Hitler, responsável pelo intensidade da propaganda nazista. Atribui-se a ele a frase “uma mentira cem vezes dita, torna-se verdade”.