Crônicas de um Crente – Viagem ao Extraordinário Mundo Coral

(Este texto eu escrevi em Abril 2007, na época em que a Tamar Jorge era regente do Coral Maranatha. )

A necessidade me fez sair do conforto da minha terra natal, a minha Congregação, e me aventurar por mares nunca antes navegados. A ousadia era me sentir um descobridor da época das Grandes Navegações, porém dotado de uma simples jangadinha…
Quando surgiu esta viagem, parei para pensar: será que conseguiremos chegar lá? E os monstros marinhos, será que eles existem? Tudo que eu havia vivido até então não me prepararam para este desafio.
A missão era simples. Preparar uma homenagem para aniversário do pastor. Teríamos a ajuda do Coral Maranatha.
Talvez você esteja se perguntando por que então tanto drama. Se você se perguntar isto é por que definitivamente não conheces a incrível capacidade de desafinar que tenho! Poucas pessoas semitonam com tanta desenvoltura.
Há pouco mais de dois anos, eu nunca tinha cantado. Apesar de gostar muito de música, minha relação com ela sempre foi de espectador. Lembro-me de um amigo meu que sempre que me via cantando em casa vinha com a mesma gracinha: “Tu gostas de cantar? Então porque não aprende?”. Claro que era justificado pelo sofrimento que eu o causava.
Foi nesta época que surgiu o Marcas de Cristo, grupo de louvor da mocidade. Me senti à vontade, pois oitenta por cento do conjunto era tão desafinado quanto eu. Trabalho árduo para a líder e para o Espírito Santo. Se você tem dúvidas quanto a se Deus faz milagres nos dias de hoje, o Marcas de Cristo é uma prova disto.
Mesmo assim, participar de um coral ainda era uma jornada ao desconhecido. A complexidade, o idioma absolutamente único. Afinal se comunicar entre tons-notas-oitava-abaixo-oitava-acima-tempo-altura é para lingüistas profissionais. A habilidade de cantar e respirar ao mesmo tempo é algo similar a assobiar e chupar cana. Chego ao primeiro ensaio. O meu cérebro faz um “crac”, para tentar assimilar o que estava sendo ensinado. Saio com aquela sensação de “onde foi que me meti”.
Tenho que fazer um aparte sobre os nativos desta terra recém descoberta: são pessoas boníssimas. O prazer, a dedicação, a alegria, a prontidão em ajudar. E que vozes… A música tem a condição de penetrar no fundo das nossas sensações. O louvor tem a condição de elevar nosso espírito até o Espírito de Deus, estabelecendo uma comunicação de amor. Despretensiosamente, em meio ao ensaio, sentia as lágrimas descendo pelo meu rosto.
A propósito, o resultado desta expedição foi satisfatório. Mas o melhor resultado foi ter ampliado o conhecimento. Esta terra desconhecida agora é uma terra também amada. Tá certo, eu ainda sou desafinado. Mas encontrei novas formas de adorá-Lo. E agora, me achando o Pero Vaz Caminha, escrevo dizendo que esta é uma terra abençoada, que receberá de braços abertos os viajantes. “Aqui, plantando, tudo dá!”.

P.S.: Aproveito para compartilhar um vídeo do coral, para que todos possam conhecer um pouco dele.

Palavras

Brinco com as palavras do mesmo jeito que brincava de playmobil quando criança. Despretensiosamente, meio passatempo, meio compulsão. Tenho que escrever.Por sinal, comecei a escrever ainda criança (o que prova que nem sempre melhoramos com o tempo). Era algo natural. Eu “roteirizava” a brincadeira, sempre tinha uma história por trás das aventuras ocorridas no quintal. O passo seguinte foi passar para o papel aquelas mesmas histórias. Nasceu, então meus primeiros dos livros, lançados quando eu tinha entre 6 e 9 anos. Eram do tamanho de 1/8 de ofício, P&B, umas 5 páginas. Desempenhava também a função de ilustrador. Graças a boa vontade dos meus pais em embarcarem na brincadeira.

Depois de um pequeno ostracismo, comum a todas as “crianças prodígio”, voltei a escrever na adolescência, junto com um amigo meu, em uma publicação chamada “Hipócritas”. Devido a um profundo anacronismo nosso, éramos James Dean em plenos anos 90, éramos iconoclastas, satíricos, soltos no “Velho Paes”, Colégio que ainda hoje se ufana de ser o “Colégio mais antigo do Brasil em funcionamento!”. Cada edição nos valia uma ida à coordenação ou diretoria. Colávamos o nosso jornal nas paredes do colégio, curtíamos o momento de fama, e passávamos horas tentando defender a “liberdade de expressão”.

Teve uma ocasião em especial que nossa ida para o SOESE (acho que era essa a sigla da orientação escolar) nos valeu um debate ideológico com o Pinduca, o Rei do Carimbó. O mesmo estava lá por que sua sobrinha precisava justificar umas faltas, pois contratar parentes para dançar carimbó não é considerado nepotismo. Em pouco tempo, o mesmo relembra os tempos da caserna e discursa sobre a importância do “sangue na sarjeta” (expressão literalmente utilizada) para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Saí de lá imaginando as mensagens subliminares por trás do “macacuo do macaco macacu macacual, eu conheço um macaquinho que é filho do macacão…”

Nesta época, comecei a enveredar pela poesia. Todo poeta adolescente teve um sublime objetivo para percorrer as veredas do verso e rima – arrumar namorada! Óbvio. Achava que os versinhos desencontrados e comuns iriam compensar a falta de encantos físicos. E pior, não era o único que achava. Passei a fazer poeminhas encomendados pelos meus amigos. Talvez fiasco defina bem os resultados. Ou tragédia. Ou melhor, tragicomédia: pra nós, trágico, pra elas, comédia.

Na fase adulta, novo ostracismo. As coisas perdem um pouco a graça quando se está no início da vida adulta. Depois melhora de novo, quando se aprende que não se deve levar-se tão a sério. É a maturidade, que só será plena quando formos de novo crianças.
Reencontrei a escrita já na Igreja, com a criação do “Do Outro Mundo”, meu micro-jornalzinho cristão. Foi a minha trincheira, onde defendi o que tenho por verdade, mais ou menos do mesmo jeito que aqui. Parei de escrever em uma noite escura, e depois resisti em me institucionalizar.

Hoje, só brinco com as palavras. Preciso delas, são ótimas companheiras. Elas organizam o meu mundo caótico de ideias, sonhos, loucura e fé. Eu as uso para me expandir, elas me usam para existirem.

Semente de Baobá

Semente de Baobá.
Potencial
Não realizado, ainda aguardado,
Vislumbrado
Na fragilidade da semente.

Depende da água,
Depende do solo,
Depende do Sol.
Contingências que ainda prendem-a na casca.
… Ainda.

Ela, a semente, precisa morrer para que nasça.
Destino de toda semente.
Ele, seu destino, é crescer.
Tocar o céu com seus ramos.
Beber do céu o orvalho.
Alcançar o mais profundo com suas raízes.

Ela, a semente, precisa morrer.
Só assim ela viverá.

Pouco mais que nada

Não tenho vocação para super homem. E ando cansado de velhos chavões, de uma visão distorcida sobre o Cristianismo. Por isso queria dividir com outros a maneira como o vejo. Sei que é só a visão de uma pessoa, que talvez esteja longe de acertar. Mas não tenho pretensões quanto a isso. Apenas cansei da máscara.

Cristo se revela a mim quando leio os evangelhos, mato-me fariseu, e reconheço-me publicano. Tive que lutar arduamente contra a minha tendência de seguir o legalismo religioso que infestava o cenário da vinda de Jesus, e persiste até hoje. Tive que reconhecer que não podemos nos levantar sozinhos. Paralíticos na beira do tanque de Betesda, ou descendo pelo telhado da casa em que Cristo está, somos totalmente dependentes da Graça de Deus.

Cristo se revela a mim quando toca no leproso, e sinto que este toque limpa a minha pele, a minha auto-comiseração, me limpa daqueles momentos em que sentimos a rejeição mutilar a alma. Cristo se revela a mim pela profunda compaixão que ele é capaz de sentir por nós.
Cristo se revela a mim quando sou pobre de espírito. Sei que não tenho em mim nada de valor, se comparado a Ele. O que poderíamos oferecer-lhe que já não seja dele? Quando olho para cima, e vejo a sua glória, poder, amor, e em seguida olho para dentro de mim, posso sentir um breve vislumbre do Senhor. É essa desproporção que me encanta. De um lado, tudo, do outro, pouco mais que nada.

Significados

Qual é a tua língua?
Abismo idiomático entre nós.
Palavras, grunhidos, sussurros
Lançados no vento
Perdidos no imenso vazio que se formou entre nós.

Qual é a tua língua?
Preciso te entender.
Quero me fazer entender.
Codificar sentidos,
Decodificar intenções,
Transcodificar o que sentimos.

Qual é a tua língua?
Somente no encontro delas
Bebo os significados
Que a mente não alcançou.

A Peça

Gosto da perspectiva do Eterno. Daquilo que dá sentido ao que não tem sentido em si. De saber que o Tempo, o bom e velho tempo, um dia há de rasgar-se ao meio e revelar o que sempre foi, e sempre será. Perceberei, então, que muitas das minhas questiúnculas foram perda de tempo. Perceberei, então que me apeguei a detalhes, que engoli o boi e engasguei com o mosquito. Os de antigamente estavam certos.

Gosto da perspectiva do Eterno. Sinto-me bem em ser apenas este lapso no tempo, com início-meio-fim tão próximos que se confundem os limites. De saber que o mundo não gira em torno de mim (será?). E no Eterno conhecerei a minha alma, fugidia de mim, fora do meu alcance, sempre. No Eterno os sonhos serão refeitos, poderei senti-la como não sinto agora. Caiu a máscara, fecharam-se as cortinas e o Autor anda no palco. Não serei mais ator, serei eu, finalmente eu, eu e a minha alma, talvez juntos pela primeira vez.

Amo a idéia de Eterno. Do que é, e não pode deixar de ser.

Quem és tu, minha alma?
Fora de mim, dos limites do meu corpo.

Quem és tu, minha alma?
Que pulsa em mim,
Aponta norte,
Movimenta-me sempre.
Biocombustível não patenteado.

Tão inteiramente ligada a mim,
Tão distante.
Somos um,
Quero que sejamos um.
Mas apenas quero.

Quem somos, minha alma?
Depende do dia a resposta.
Todavia, toda via me leva a mim.
A peça já teve 28 atos.
E ainda falta muito para acabar.

(reflexões aos 28 anos, sobre eles.)

Quase Eu.

Às vezes penso na vida. Na essência das coisas. Talvez ache que a vida é um caminhar em direção a nós. Ao que há de melhor e pior em nós. Talvez ache que ao nos descobrimos encontramos algo diferente de nós, e parecido com Jesus. Talvez.
Mas sei que quem quiser viver tem que ter vida. Esta vida intrinsecamente dinâmica, bela, pulsante, rica. Bela e aterrorizante. Com temor e tremor, disse Paulo, não por medo, mas pelo extraordinário, intenso, imenso.

Vida.
Cada segundo explodindo de sons, cores, cheiros.
Cada momento pode ser sentido.
Cada momento tem sentido.

“Quase Eu” é uma caminhada.
“Quase Eu” é uma busca. É a procura por vida, por amor, por Cristo do Evangelho.
“Quase Eu” é um encontro. Comigo, com almas livres, pares da mesma cruzada.
“Quase Eu” é a espada em punho, coragem!
É navegar no imenso e desconhecido.
Acompanhe-me.

I – Pré-história:

Quando começa uma história? Era uma vez… A deste navegante não teve essa vez. Ainda está começando, junto com os raios da manhã. Toda manhã.
Comecemos, pois, da pré-história. Parto sombrio. Relutante. O nascer advindo do desespero e do engano. Fórceps de Deus marca as têmporas, no esforço de trazer ao mundo este rebento arrebentado pelo cinismo que mascarava a fragilidade, pelo ceticismo que cobria a inocência de quem acreditava em tudo.
Arrancado, visceralmente, puxado para fora, gritando de dor. No meu lar, ruínas de lar, olhei para cima pela primeira vez. Pela primeira vez, vi meu Pai, meu Senhor, o que me fez e me comprou.
Nasci na dor, na cinza da alma. A cinza do cinzeiro, já usado, portanto sem valor, a não ser denunciar o próprio vício.
Nasci no escuro. Não enxergava um palmo à frente. Juntando os caquinhos da minha alma às apalpadelas. Super Bond nela.
Senti falta de babá. Esquisito, bebê com cara de coroa, todos me achavam mais capaz do que sempre fui. As marcas na têmpora ardiam, como ainda ardem. Cresci sozinho, pulei o Bê-a-Bá, me limpei como pude. E me virei como deu.
Nesta primeira fase, ainda não via. Demorei muito a começar a enxergar. E nem queria. Enxergar é ver, ver é contemplar o real. Enxergar é ampliar as percepções, o mundo, o horizonte. E eu não tinha nem nervos nem estômago para isso. Eu não tinha 1,10m, portanto não andava em montanha russa.
Apenas confiar. Frágil, só, pequeno, cego. Que podia fazer além de confiar Naquele que me trouxe à vida? Sem questionamentos, sem anseios, nem expectativas. Precisamos de tão pouco!
Fui deslizando pelos dias. Amizades descartáveis, pratos descartáveis, copos descartáveis. Fui passando ao sabor do vento, noites ao relento, dias sonolentos. Fui deslizando pela vida. As lembranças se embaralham pela falta de profundidade – tudo era raso, quando deveria ser raro.

Amigos, Irmãos.
Raros, únicos.
Esteio na dor,
Motivo pra rir.

Amigos, Irmãos
Nem tempo, nem espaço.
Além dos limites.
Além das prisões.

Espíritos afins, avante!
Cantemos.
Celebremos o que está além de nós.
O que está em nós.
O singular compartilhado,
Tornando-nos plurais.

Espíritos afins.
Espíritos unos.
Irmãos.
Um.

Fui deslizando. Aos meus amigos, meu amor. Aos outros, sei lá, não perco tempo com besteira.

II – Viajantes

Para falar de mim, tenho que falar dos que também navegam. Cada um do sue jeito, dão um colorido a mais aos mares e rios. Conheci alguns que singram em caravelas. Aquela sabedoria ancestral, a força, as velas içadas. Acolheram-me como se as velas deflagradas fossem redes para embalar sonhos tranqüilos, soneca em casa de avó. Ensinaram-me sem saber que o faziam, como quem compartilha um doce. Beijaram-me a fronte, sem se importar se eu era um melequento. Segurança, paz. Que bom saber que existem pessoas que depois de tantos anos dançando com as ondas, permanecem imponentes, cientes da sua experiência. Que frota linda o meu Almirante tem.
Outros preferem lanchas. Jovialmente encaram as ondas, riem das valas deixadas pelas embarcações maiores. Aos poucos, aos muitos, não importa, o que vale é a velocidade. Puerilmente ousados lançam-se de cabeça, intensos, apaixonados, apaixonantes. Verão sempre! No máximo uma primaverazinha! De vez em quanto.
Infelizmente, conheci o remake contínuo do Titanic… Sempre orgulho, entranhado como se fora seu gene. A beleza ostentada, os porões abarrotados de ratos, dejetos, doentes, sujos e pobres. Celine Dion está rouca! Canto forçado, estranho, infeliz, da tragicomédia humana, da loucura que originou o Mal. Celine Dion está rouca! Canta, canta e grita a morte anunciada pela presunção. Celine Dion está afônica… remake contínuo do Titanic. E ele sempre vai a pique.
Quanto a mim, vou de “pô-pô-pô”, onomatopéia para o barquinho amazônico, do rio-mar barrento. Romântico, com os botos e pirarucus à volta. Com o cheiro de mangue, com fiapo de manga no dente. Vou de “pô-pô-pô”! Feio, pequeno. Porém de verdade. Não sou de Holywood. Sou o barquinho que quer glorificar seu Deus pela singeleza.
Já não tenho a velocidade frenética das Lanchas. Talvez nunca chegue a Caravela Mas posso apreciar a paisagem.

Céu, terra, rio, mar.
Pontinho preto no meio de tudo?
Eu.
Respingado, saudoso, corajoso, perdido.

Respingado de Céu,
O máximo que posso conter
São gotas.
Orvalho, chuvisco, gotas.
Amor e graça em gotas.
Pontinho preto encharcado de Céu?
Eu.

Saudoso de terra.
Da terra em que fui gerado.
Do colo de mãe.
Carinho de pai.
Terra nas unhas, pé machucado pelo futebol ruim.
“Chuta a bola e não o chão, menino!”
Choro, casa, colo, carinho.
Pontinho preto choroso da terra?
Eu.

Corajoso de rio.
Um curso, correnteza.
Uma imediata no mesmo barco.
Planos, sonhos, metas
Avolumando-se juntos as águas.
Riachos deságuam, impulsionam, empurram pra frente.
Pontinho preto desafiando o rio?
Eu.

Perdido no mar.
Imenso, desconhecido, mar.
Muito maior que as gotas.
A terra engolida por suas ondas.
O rio bebido por sua força.
Final de tudo, o mar.
Lá onde meu Almirante está.
O extraordinário, imenso, intenso.
Pontinho preto absorvido pelo mar?
Eu.

Ao meu Almirante, louvores. Aos navegantes, coragem! À minha imediata, beijinhos. Aos que permanecem no porto, meus pêsames.

III – Percepções:

Meus sentidos foram se abrindo. Gradualmente, sem alarido, sem esperar. Como descrever o som ao surdo? Sentindo a vibração causada por cada nota. Sentido que cada nota encontra o eco no interior do ser. A certeza do certo confirmada pela alma – escavação arqueológica do espírito. Pulsa, bate, ecoa, ressoa. Milagre da união de notas avulsas, metamorfoseando-se em melodia. Existe música, sons em poesia. A Voz guia os passos de quem ainda não vê. A Voz firme, cálida que pronuncia seu nome, irresistível. Estranhamente familiar, mesmo a quem nunca a ouviu antes. A Voz geradora de vida, que faz o coração bombear, que abre os nossos pulmões no primeiro dia, e o fechará no último. A percepção do infinitamente belo.
Cheiros me confundem, apontando para sabores não descortinados pelo palato. Cheiros que vão marcar a trajetória, depois serão “start” da memória. Gostos. Dias de mel, outros de ervas amargas. Gosto do amargo realça o doce.
Ainda na câmara escura. Tato. Eu sinto, logo?… Tocar o outro, saber que a vida também está ali. Tocar o outro, quebrar as fronteiras entre o eu e o tu. Ser tocado, como é bom chorar acompanhado! Tu me entendes? Sabes que existe alguém além de ti? Quero quebrar esta fronteira maldita que deixa a todos entrincheirados dentro de si. Eu sinto, logo?… Sinto muito por sentir tanto. Sinto muito por sentirmos tão pouco.
O mundo cresce na medida em que as percepções se expandem. Posso viver sempre no quartinho escuro, fechado em mim. Ou posso abrir a porta. Mito da Caverna de dentro de nós. Tudo é mais. É maior.
Tenho que sair do quarto e ver a rua. Outros andam as tontas como eu. Outros tontos se escondem em baixo da cama. Tenho que sair. Ruas, bairros, cidades. Tenho que sair. Já não basta a rua, preciso da Lua.
Vejo vultos. Imagens imprecisas, turvas como os meus olhos. Tudo está lá, eu que não vejo. TV preta e branca, antena meio torta. Por que não ajeito? De que jeito, se não me percebo?
O mundo não é preto e branco, nem em duas dimensões. O mundo não é uma tela de pintor daltônico.

Ver.
Luz que clareia o dia.
Quero ver.
Forte como o meio dia.
Encandeado, ofuscado no primeiro instante.
Maravilhado pela aurora.

Ver.
Tudo fica claro.
Não em si, mas nele.
Não posso ver o sol, mas vejo tudo por ele.
Como pude ser tão cego!
Tão voluntariamente cego.

Ver.
Delicado como o luar
Refletindo uma outra glória,
Mais distante.
O belo, o puro, o digno.
Luar.

Ver.
Triste como o ocaso.
A morte e esperança do novo dia.
Amado como o ocaso.
Promessas do que a noite trará.

Palheta das infinitas cores
Obra de arte nunca concluída
Vida.
Cada segundo revelando novos tons
Aquarela.
Cada instante vivido, puro impressionismo.
Impressionando-nos pela beleza sem igual.

Vida Bela aquarela.
Somos co-pintores dela.

TTTRRRIIIIIMMMMM!!!!!! O despertador toca. Acorda, vai escovar os dentes. Acorda. Abra seus olhos. O dia já começou.

Vivo

Vivo
Sempre
Lúcido, irritado, irritante.
Crítico, irônico, mordaz.
Às vezes…

Vivo
Sempre
Tempestades, brisas, movimento.
Lamentos sem eco, futilidades.
Às vezes…

Na dinâmica de estar vivo
Tudo em mim é vida
Tudo em mim é intenso
Tudo em mim transborda.

Preencho o mundo com meus sonhos
Construo pontes no invisível
Me descubro em Deus

Vivo
Sempre
E a vida é sempre melhor…