Negro Encontro

Em 1987, quando o “Negro Encontro” foi lançado, eu tinha 07 anos. Não sei bem quantas vezes o li e reli, pois a sua escrita forte, pulsante, sempre me atraía. A simbiose de prosa e verso permeando-se mutuamente, dava novos sentidos para as palavras, transmutando-as em algo a mais, algo captado apenas pela sensibilidade. Se hoje escrevo, não é porque quero, mas por estar nos genes. E sinto um prazer pueril quando, agora adulto, alguns amigos me chamam de Negão, da mesma forma que chamo o meu velho.
A saudade que carrego desde que saí de casa, muito cedo, é a certeza do meu amor pelo Negão Pai, Matão, dando sentido completo em embandeirar o Filho do meu nome.

“Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar.” (Espelho – João Nogueira)

EPÍSTOLA UNIVERSAL DO NEGRO TU

“Eu sou aquele, daqueles habitantes de um mundo paralelo nascido na mente, da pele escurecida que tanto pavor lhe causa. Aquele que, provavelmente hoje mesmo , você encontrou na sarjeta e, qual Pilatos, utilizou mais uma vez o vaso sanitário.
Sabe ?! eu sou esse mesmo que você “aceita” sem se comprometer. Essa negação de cor que, das trevas, você estereotipa como indesejável. Esse mesmo , que sujará sua raça se deflorar sua filha e que já nasceu tendo de provar que é melhor (?!…)
Eu sou aquele, isso e esse mesmo que “carinhosamente” você chama de negrinho. Sabe ?! o trombadinha que você contribuiu para que eu fosse. Esse que suja sua consciência (sic), por se parecer muito com aquela “pretinha”, que seu sêmen emporcalhou, agorinha mesmo, na cozinha de sua casa.
Sou eu, aquele mesmo, que teve de engolir os seus deuses e engulhar suas verdades como se fossem minhas, no total desrespeito que sempre caracterizou as nossas “relações”.
Sou, lembra-se ?!, aquele passageiro dos porões do navio negreiro, que você trouxe para construir esta nação. A força bruta, a tração, que lhe impulsionou a desonestidade e o transformou em senhor. Sou eu mesmo, aquele soberano africano, escravo do marginal europeu que a avareza despejou nos mares.
Eu sou aquele, marcado pelo chicote do analfabetismo, que você finge amar quando necessário. Aquele “pardo” de “alma branca”, que é o “negro mais branco do Brasil”. Aquele mesmo que “suja na saída” e que “é negro, mas… é bom”.
Eu sou tudo isso, que você me fez, e não há retrocesso. Mesmo porque as feridas na alma cicatrizam com maior dificuldade que as marcas das chibatadas, que você me deu. Por isso, jamais haverá retrocesso nesse desamor implantado por você em minha negritude.Jamais retrocederei ao ventre-livre, que a sua eterna hipocrisia me presenteou. E, muito mais ainda, jamais precisarei das suas “leis áureas” ofuscantes para ser realmente livre.
Eu sou tudo isso e muito mais, que a estreiteza de sua visão é incapaz de alcançar. Sou eu mesmo, aquele que traz Palmares no peito e toda a lição de liberdade do negro Ganga Zumba. Aquele mesmo que não acredita na sua aparência de branco, porque aprendeu com os mestres astrais, cultuados na minha “ignorância espiritual”, que tudo no mundo visível em que vivemos é uma interligação precisa e harmoniosa de forças, não existindo por si mesmo. Sabe ?! a minha, a sua, a nossa cor não existe além de nossas próprias limitações de homens. A sua, a minha, a nossa superioridade não se sustenta além das três dimensões a que estamos aprisionados. A própria dualidade, tão necessária para nosso equilíbrio , é a Unidade Suprema no zero absoluto.
Eu sou aquele e a mim basta sê-lo. O negro TU, apóstolo de minhas próprias verdades. O guardião do templo de minha negritude. O mais-que-imperfeito ser sem ser mentalmente divino. Um ser poeta, perfeito na sua imperfeição. Um deus-homem, um homem-deus, um ser-menino.”

Alcir Matos (o pai).

One thought on “Negro Encontro

  1. meu "black new"

    Ser pai não é parir um filho.
    Isso, é coisa de maternidade…
    Ser pai não é padecer no paraíso,
    é sufocar na ansiedade do acertar.
    Ser pai não é ser super-homem
    é ser homem a cada momento de indecisão.
    Ser pai é ser indeciso nas respostas,
    é não ter propostas, é sucumbir na indefinição.
    Ser pai é não saber ao certo o que é certo
    e errar nos momentos mais precisos da vida.
    Ser pai é ser mais um, cúmplice
    nas encruzilhadas que a vida nos propõe,
    e errar junto na perspectiva do acertar.
    Ser pai é ser filho a cada instante
    e reviver as revoltas de ser incompreendido,
    de ser amado apesar de tudo.
    Ser pai é ser você a cada passo que você tem que dar
    E tropeçar a cada tropeço seu.
    Ser pai é ser você, e custe o que custar.

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